Os fãs de Harry Potter talvez não saibam que, durante muitos
séculos, as pessoas acusadas de praticar magia foram combatidas, presas e até
mortas. Isso aconteceu em vários países da Europa desde a Idade Média, chegando, mais tarde ao Brasil também. Para saber como tudo começou, é preciso
voltar no tempo... Você vai fazer essa viagem de vassoura ou de imaginação
mesmo?!
Desde que os humanos começaram a se organizar em grupos, lá
na Pré-história, havia a crença em algum tipo de magia. Os praticantes –
chamados feiticeiros, curandeiros ou xamãs – podiam ser temidos ou amados, mas
quase sempre eram respeitados por seu poder.
Os povos da Antiguidade continuaram a praticar a magia. Em muitas
delas, os magos eram também sacerdotes dedicados a um deus ou na uma deusa,
como acontecida no Egito. Assírios, fenícios, gregos e romanos viviam num mundo
em que rituais, sacrifícios e encantamentos eram práticas comuns.
Na Idade Média, as coisas mudaram. A Igreja Católica – que era
muito próxima dos reis e tinha como missão fazer com que o maior número de
pessoas acreditasse em um único Deus e seguisse os mandamentos do catolicismo -
começou a se sentir incomodada com as
práticas de feitiçaria. Acreditava-se que a magia podia ser usada para praticar
o mal e muitas leis foram criadas para evitar isso.
Mas, imagine! Àquela época não se tinha entendimento sobre
muitos fenômenos naturais, então tinha gente sendo levada ao tribunal sob
acusação de fazer cair geada no verão, algo que a meteorologia pode explicar,
ou por lançar mau-olhado sobre o gado do vizinho, que, provavelmente, ia mal
por conta de alguma doença.
Caça às Bruxas
No final do século 12, a Igreja Católica – com o apoio dos
principais monarcas da Europa – tinha se organizado ainda mais para combater
todos aqueles que considerava uma ameaça
à doutrina cristã. Criou tribunais que se reuniam durante algum tempo
para investigar, julgar e punir os hereges – pessoas cujas crenças e opiniões contrariavam
o catolicismo – e, também, acusados de outros tipos de crimes, incluindo,
claro, os que envolviam a prática da magia.
No processo investigativo sempre eram feitas muitas
perguntas e, por isso, essa prática da Igreja foi chamada de Inquisição (“inquirir”
significa “perguntar”).
A primeira investigação começou na França, em 1184, mas logo
depois outros países instalaram seus tribunais, e as coisas funcionaram de
maneiras diferentes em cada um deles. Na Espanha e em Portugal, por exemplo, o
Tribunal do Santo Ofício perseguiu, principalmente, os judeus e muçulmanos,
obrigando muitos deles a se converter ao Cristianismo (ou, pelo menos, fingir).
Na Itália, o padre e cientista Giordano Bruno foi queimado
no ano 1600, por defender pontos de vista considerados hereges. Galileu Galilei,
na mesma época, só escapou da fogueira porque voltou atrás em sua afirmação
(embora soubesse estar certo) de que a Terra girava em torno do Sol. Os processos
por bruxaria mesmo foram poucos, crescendo a partir do século 16, quando a
Igreja aumentou a sua desconfiança em relação a adivinhos e curandeiros.
Ganhava força a ideia de que as bruxas e os bruxos não apenas
podiam fazer mal a outras pessoas, mas tinham um “pacto com as trevas”. Essas pessoas
começaram a ser acusadas, entre outras coisas, de voar em vassouras, de
transformar pessoas em animais e de promover reuniões em que invocavam espíritos
maléficos.
A confissão dos praticantes de magia de que a Igreja estava
certa em suas acusações era quase sempre obtida por tortura, enquanto a
inocência era praticamente impossível de ser provada, exigindo testes absurdos
como ficar vários minutos debaixo d’água ou segurar um ferro em brasa com as
mãos.
Sabia que uma pessoa podia ser denunciada como bruxa
simplesmente por não ir à igreja aos domingos, por ser aleijada ou – no caso
das mulheres -, até mesmo, por ter sobrancelhas muito juntas ou pelo menos no
queixo?
De um modo geral, houve mais mulheres do que homens entre os
acusados de bruxaria. Em primeiro lugar, porque eram elas que mais entendiam de
ervas e remédios caseiros, dos quais os inquisidores desconfiavam por achar que
podiam ser poções usadas para o mal. Outra razão era porque a Igreja cristã na
época afirmava que as mulheres eram mais fracas e maliciosas do que os homens. Dá
para acreditar?!
Feitiçaria no Brasil Colonial
França, Portugal, Espanha, Alemanha e Inglaterra são países
com muitas histórias sobre o combate à magia. Mas a Inquisição ultrapassou as
fronteiras da Europa, chegando aos Estados Unidos, onde aconteceram prisões e
mortes pelo mesmo motivo, e também ao Brasil.
Éramos ainda colônia de Portugal e a Inquisição por aqui
ficou a cargo do Tribunal do Santo Ofício de Lisboa. Em três ocasiões, foi
enviado um “visitador” encarregado de investigar o estado da fé: 1591, 1618 e
no período compreendido entre 1763 e 1768, quando a Inquisição, que em Portugal
foi extinta em 1821, já estava enfraquecida. Assim como na Europa, o alvo
principal foram os hereges e os “cristãos-novos” – judeus convertidos ao catolicismo
que eram acusados de manter as práticas de manter as práticas da antiga religião,
como, por exemplo, tomar banho às sextas-feiras.
As acusações de bruxaria, por sua vez, baseavam-se,
principalmente, na “magia popular” que incluía o uso de ervas, chás, benzeduras
e objetos considerados enfeitiçados, como as figas, os amuletos e os saquinhos
costurados comumente chamados “patuás”, que vem de tradição africana. Tudo isso
era muito comum por aqui. Afinal de contas, as crenças trazidas pelos europeus haviam
se misturado, primeiro às dos índios – alguns rituais descritos como sendo de
bruxaria são, na verdade, práticas, herdadas de xamãs indígenas – e mais tarde,
às dos escravos, muitos dos quais foram acusados de praticar “mandingas”, ou
seja, feitiçaria, contra seus senhores.
Assim como na Europa, as denúncias contra os feiticeiros da colônia
partiam de pessoas conhecidas, como vizinhos, amigos, e até parentes. Os interrogatórios
começavam no Brasil, mas a sentença final era dada em Lisboa, às vezes depois
de vários anos a primeira acusação. Até onde se sabe, não houve, entre os
considerados culpados de feitiçaria no Brasil, nenhum condenado à morte na
fogueira, como chegou a acontecer com os portugueses. No entanto, essas pessoas
foram punidas com prisão, violência física, penas de exílio e de trabalhos
forçados.
As “bruxas” de hoje em dia
A partir do século 18 a magia começou a perder a sua importância.
As descobertas cientificas e as mudanças que elas trouxeram para a sociedade contribuíram
para que nos distanciássemos cada vez mais das tradições antigas como parte de
uma crença ou religião, e as leis modernas garantem que não sejam perseguidas
por isso.
A própria ciência hoje em dia reconhece o valor de algumas tradições.
Um bom exemplo são as plantas medicinais, que nunca deixaram de ser usadas e
que, hoje são cada vez mais empregadas no tratamento de certas doenças, até
mesmo na composição de remédios fabricados em laboratório. Prova de que nossas
tataravós acusadas de bruxaria tinham algum conhecimento de que estavam
fazendo...
E, mesmo que a gente não se dê conta, a magia popular de
nossos antepassados ainda está por aí. É só olhar a nossa volta. Ou será que
você não conhece ninguém que só vai ao futebol usando a sua meia da sorte?
Ana Lúcia Merege,
Biblioteca Nacional.
MEREGE, A. L. Quem acredita em bruxas?. Ciência Hoje das
Crianças.RJ, outubro de 2011. p. 2-6.
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